19 de Junho de 2018
Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro ex-presidente do Brasil a ir para a prisão por corrupção e, mesmo assim, de acordo com as pesquisas, o favorito indiscutível para a maioria dos eleitores para assumir a presidência nas eleições de outubro, para desgraça do resto das elites políticas do país, tem uma nova ocupação: comentar a Copa do Mundo Rússia 2018 na televisão. Seu amigo, o veterano jornalista esportivo José Trajano, Ultrajano em seus vários perfis online, anunciou nesta semana nas redes sociais que, a partir desta segunda-feira, o presidente dará sua opinião sobre as idas e vindas da seleção brasileira no programa Papo com Zé Trajano, da TVT. Conseguir isso em um país em que é ilegal entrevistar presos requer um esquema bem tramado: Lula vai acompanhar os jogos na televisão que tem em sua cela – um dos privilégios de que desfruta por ser ex-presidente – e escreverá suas opiniões em cartas, pois a lei permite que prisioneiros mantenham correspondência com amigos (não é preciso ser procurador-geral para aceitar que Ultrajano é amigo de Lula: basta vê-los em qualquer um dos muitos programas que gravaram juntos, ou também os vídeos em que Ultrajano, já sozinho, pede que Lula volte à presidência). Assim que a carta for recebida, o apresentador lerá as opiniões do ex-presidente ao vivo.
A decisão é no mínimo incomum, tanto para um aspirante a candidato à presidência quanto para um político preso pela sentença mais polêmica do amplo catálogo de vereditos por corrupção no Brasil. Os muitos inimigos de Lulaatribuem isso ao seu egocentrismo; seus seguidores, não menos numerosos, ao realismo mágico que se empenham em projetar sobre o ex-presidente e seus dois mandatos, entre 2002 e 2010, quando o Brasil cresceu de forma grandiosa e milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema. Mas também é provável que a decisão venha da terceira característica mais marcante de Lula: sua astúcia política. Da prisão ele não pode comentar a atualidade política ou ser entrevistado; ao mesmo tempo, existe a velha teoria de que no Brasil as eleições são ganhas por aquele que passa mais tempo na televisão. Nesse dilema, a Copa do Mundo é uma desculpa perfeita para passar sob os holofotes um tempo do que seus adversários não têm. É o golpe perfeito, aperfeiçoado por um último detalhe. Se quisesse, Lula poderia alegar que comentar a Copa do Mundo é um trabalho e pedir a redução da pena. Dificilmente o conseguiria, mas a cara de seu inimigo, o juiz Sérgio Moro, ao ler a petição também seria uma forma de vitória política.